Por Luciano Maia
O
nome do poeta José Inácio Vieira de Melo e seus versos haviam chegado aos meus
ouvidos pelo prestigioso testemunho de Francisco Carvalho, sem causar, àquele
então (eram os anos 2000), o impacto que me causa agora a leitura do seu
livro Pedra Só (São Paulo: Escrituras, 2012). Percorrendo os
versos desse livro, que se reparte em vários segmentos (Pedra Só, Aboio Livre,
Toada do Tempo, Partituras e Parábolas), tem-se logo a certeza de estarmos
diante de um poeta totalmente desvinculado de qualquer modismo. Os seus versos
se constroem a partir de uma consciência de pertinência: a de ser de sua terra,
nutrindo o ideal de cantá-la, sem as pretensões neuróticas de supor que o
universal tem obrigatoriamente que ser urbano! Essa tendência, que alcançou o
seu paroxismo com a enxurrada do verso livre (de quê?), terminou por expulsar
(ou espantar) os leitores de poesia. Hoje, esses poetas pseudo-contemporâneos e
pseudo-modernos escrevem para eles mesmos. Não têm leitores.
Voltando
a José Inácio: “Canto de peito ao vento, / um boi de campina anda comigo”.
Estes versos não resumem, evidentemente, a vasta apreensão que ele tem do
mundo, aliás, realmente muito larga, mas nos indica, já na abertura do seu
livro Pedra Só, ser ele, como já foi mencionado, um testemunho de
sua terra e, por extensão, do seu tempo. A sua escritura flui como um regato
sobre os seixos na quadra invernosa do sertão nordestino.
A
rima não é constante em José Inácio, mas em alguns poemas pode-se garimpá-la,
como em “Noite Sertaneja”: “Em frente à minha casa sempre tem / uma fogueira
acesa, clareando / a passagem dos vultos dos vaqueiros / amontados nos ventos e
aboiando”. Há, creio que de forma indisfarçada, uma nítida influência (mais
temática do que de estilo) de Gerardo Mello Mourão nos poemas deste livro. A
poesia desse poeta alagoano, que vive em Jequié (BA), é vazada de metáforas
sonoras e vibrantes, como em Gerardo. Veja-se no poema XXIV: “As
algarobeiras contam histórias / do silêncio nos ombros da noite. / A lua é uma
formosura de égua baia”. Ou em “Aboio Livre”: “Meu avô, zelai por mim, / que
sempre persegui desertos, / tangendo louvores ao Sertão”.
Mas,
advirta-se: assim como em Gerardo, que canta a sua aldeia de forma universal
(Lev Tolstoi), José Inácio convoca os testemunhos poéticos de distantes
geografias e paisagens musicais, como no poema “Beethoven”: “Depois, abre a
porta dos sonhos / e toca a Nona Sinfonia”. Ou em “Cantiga para Leonardo”, onde
invoca nomes ancestrais do universo lendário, artístico e literário: Rômulo e
Remo, Michelangelo e até Cecília Meireles. Não falta em Pedra Só, um
poema para Bob Dylan: “Jokerman”, um poema patético, em que o poeta expressa a
dor do mundo, o abandono em que se perdem os idealistas ou os visionários.
Tudo isso, repita-se: abrindo uma picada rumo ao épico-lírico, como nos ensinou Gerardo Mello Mourão. Com os olhos nas distantes constelações e os pés no marco da terra.
Tudo isso, repita-se: abrindo uma picada rumo ao épico-lírico, como nos ensinou Gerardo Mello Mourão. Com os olhos nas distantes constelações e os pés no marco da terra.
Luciano
Maia é poeta, tradutor e professor. Membro da Academia Cearense de Letras. Autor de Jaguaribe - memória das águas (1982), Praia formosa (1992), Vitral com Pássaros (2002), As cidades míticas (2013), dentre outros.
Artigo publicado
no jornal Diário do Nordeste, em Fortaleza, em 16 de fevereiro de 2014.
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