terça-feira, 30 de novembro de 2010

OLINDA, IPIAÚ E JEQUIÉ


Em novembro fui convidado para participar de três eventos: a VI Festa Literária Internacional de Pernambuco – Fliporto, que aconteceu em Olinda, de 12 a 15 de novembro; a V Semana de Letras de Ipiaú – SELETI, no Campus XXI da Universidade Estadual da Bahia - Uneb, na cidade de Ipiaú, no dia 19, o evento contou com a participação do Grupo Concriz, da cidade de Maracás, que fez um recital com poemas de meu livro Roseiral; e a V edição do projeto literário O Poeta Vai à Escola do Colégio Municipal Alíria Argolo, em Jequié, que me prestou uma bela homenagem. Um mês de muitas alegrias. Compartilho aqui algumas imagens desses momentos tão especiais.
JIVM

Selma Vasconcelos, JIVM, Luciana Lyra e Alessandra Leão - VI Fliporto - Olinda

José Inácio Vieira de Melo e Ronaldo Correia de Brito - VI Fliporto - Olinda

José Inácio Vieira de Melo e Marcus Accioly - VI Fliporto - Olinda

José Inácio Vieira de Melo e Grupo Concriz - V SELETI - Ipiaú

sábado, 27 de novembro de 2010

JIVM - EU QUERIA SER ELIZEU MOREIRA PARANAGUÁ



EU QUERIA SER ELIZEU MOREIRA PARANAGUÁ


Eu não queria ser John Malkovich
nem muito menos Ruy Espinheira.
Queria mesmo era ser Elizeu Moreira Paranaguá,
o Conde dos Lajedos, o Pássaro de Pedra.

E, então, sairia por aí catando pedras,Adicionar imagem alimentando-me da sua energia
e jogando-as na cabeça dos ignaros
para despertar a aurora das ideias.

Eu não queria ser John Malkovich,
não, definitivamente,de nenhuma maneira,
não queria ser Luis Antonio Cajazeira
que não cabe em si nem em todo o Cosmo.

Eu queria ser Elizeu Moreira Paranaguá,
que não é nada e, por isso mesmo,
cada passo seu é cheio de possibilidades.
Não tem rumo certo – é rota em aberto.

Eu queria mesmo ser esse ser
que vive a bater pedras – uma na outra –
a extrair delas o fogo do invisível:
a chama sagrada da poesia.

E depois eu falaria de Nietzsche,
seria seu profeta mais alucinado,
o super-homem, o superpateta,
a cravar a flecha na Maçã.

Nesses tempos de indagação,
eu, sendo Elizeu, filho da orfandade,
mataria meu pai e proclamaria
a Pós-Idade da Pedra Sagrada.


JOSÉ INÁCIO VIEIRA DE MELO

O FOGO SAGRADO DA POESIA

José Inácio Vieira de Melo

Aparentemente marcada por um discurso filosófico disparatado, a poesia de Elizeu Moreira Paranaguá é uma das mais peculiares do cenário poético contemporâneo da Bahia.
A impressão que se instaura ao começar a leitura de O Fogo do Invisível (Salvador: Selo Letras da Bahia, 2006) é de desordenamento. Isso se dá, talvez, por conta do uso incessante de anáfora, figura de linguagem da repetição, no percurso de todo o livro, a exemplo do poema de abertura “A forma da unidade”: "Somos nós a sombra/ da Unidade para a Unidade/ de todas as coisas/ e de todos os sentidos/ como todas as coisas/ e todos os sentidos/ não têm forma nem peso,/ como todas as coisas/ e todos os sentidos/ têm algo que se dá nome,/ como todas as coisas/ têm princípio e fim (...)".
Em um poema que afirma que "todas as coisas/ e todos os sentidos/ não têm forma nem peso", o desenvolvimento não poderia ser de outra maneira, se não um jogo que provocasse uma desconexão. Assim, a aparente desordem já começa a se justificar, e é essa desordem que confere uma aura à poética de Paranaguá, pois, na verdade, é regida por uma ordem tão fora do eixo do ordinário que conduz o leitor para uma esfera de estranhamento, criando um clima de descoberta, uma vez que pisando em sendas desconhecidas: "Eu sempre fico/ nu para Deus,/ mas ele nunca/ ficou nu para/ o sentido terrível/ do meu ser".
O poder imagético sugerido por seus versos faz com que o leitor esqueça as repetições, que logo são transmudadas em ritmo e conferem andamento às partituras líricas do bardo de Curralinho, plagas onde nasceu também Castro Alves, o poeta da liberdade. O Fogo do Invisível nasce da energia das pedras. Paranaguá, tal qual um deus, bate as pedras do caos e acende as faíscas do fogo do invisível e convida o leitor a fazer parte da fogueira dos tempos. Mas, para isso, é preciso desarmar-se dos conceitos e preconceitos para arder na linguagem pura que Paranaguá oferece: "Chegar à luz/ cega de Deus".
Como bem observa Foed Castro Chamma, poeta paranaense de Pedra da transmutação, Elizeu Moreira Paranaguá é o Ladrão do Fogo. Ele extrai o fogo das pedras – gado que cria em seu lajedo poético – e, à maneira de Prometeu, compartilha as chamas da criação com seus semelhantes.
Em Os passos em volta, livro de prosa do poeta português Herberto Helder, está presente a seguinte afirmação: "O amor e o desespero e a desordem – isso é a nossa parte do jogo". Essa assertiva define bem o processo de criação de Elizeu, porque o que fica na superfície da sua proposta estética é uma enorme força intuitiva a expressar o desespero: "Desejo violento/ vontade sangrenta/ de abraçar/ e colorir/ as asas/ da borboleta".
Ao aproximar-se do final do livro, o sentimento inicial de estranheza diante da desordenação ainda se faz presente. E é esse porte esquisito que dá consistência à linguagem de Paranaguá, pois é a ‘desordem’ que nos arrebata e nos conduz para algo extra-ordinário, para algo que está para além da ordem do dia.
Agora, ao fim desse concerto de experimentações vivenciadas pelo poeta, as impressões não perdem o tom, mas adquirem outros coloridos, e a sensação é de estar-se a freqüentar um novo sentimento que transcende a razão e que, por isso, não há como explicá-lo, nem mesmo através da metafísica, pois "Não há metafísica/ para quem guarda pedras/ a espantar o mundo". O curioso é que Elizeu Moreira Paranaguá busca os fundamentos para a sua poética na razão, no discurso filosófico, seara que tenta entender tudo e tudo explicar.
Mas o que acontece, efetivamente, em sua poesia, é um mergulho nos abismos do delírio. Paranaguá é, sem sombra de dúvidas, o Quixote baiano: o Conde dos Lajedos, que vive a bater pedra contra pedra, a extrair o fogo sagrado da poesia.

Resenha sobre o livro O Fogo do Invisível, publicada no site Cronopios em 9 de dezembro de 2008

sábado, 20 de novembro de 2010

CENTAURO: A NATUREZA DO HOMEM

Por Raquel Naveira


Não há melhor imagem para o conflito da natureza masculina do que o centauro: homem e cavalo, razão e instinto, delicadeza e brutalidade. Amor imoderado pelo vinho, pela carne e pelas mulheres. Virilidade contida. Sabedoria incompreendida. Natureza monstruosa e selvagem que não se pode reprimir.
Moacyr Scliar escreveu um romance com esse título lindo: Centauro no Jardim. O livro conta a história do centauro Guedali, nascido no interior do Rio Grande do Sul, filho de uma pacata família de imigrantes judeus russos. Guedali cresce solitário, excluído e o isolamento o leva ao hábito da leitura. Inteligente, sensível e culto, é ele quem conduz a narrativa de realismo fantástico eita a partir do dia de seu 38º aniversário, comemorado entre amigos. A figura do centauro ilustra a divisão étnica e religiosa dos judeus, um povo perseguido por sua singularidade. Ouso dizer que o centauro é um alter-ego de Moacyr Scliar, ele mesmo judeu, ávido leitor, que galopa por paisagens de mistério e magia.
No poema “Amor Mitológico”, imaginei o amor entre uma ninfa e um centauro:

Sou uma ninfa menina,
Dessas que habitam o oco das árvores
E enfeitam os cabelos com boninas,
Sou simples e delicada,
Quase não falo,
Prefiro tocar flauta
E sentir paz quando me calo,
Mas qual não foi a minha sina,
Apaixonar-me por um centauro
Que corria disparado na ravina!
Era linda a sua crina dourada,
O seu torso de homem claro
E seu faro logo me descobriu
Como se eu fosse uma égua na baia,
Por mais que eu deseje que esta paixão saia,
Ela me domina:
Fogo que veio no vento,
No sopro de suas narinas,
Quando eu o quero manso e angélico,
Ele é bruto
E me bate com os cascos;
Quando eu o quero viril e bélico,
Ele larga o arco
E me afaga com palavras doces
E desde então
Vivo vagando pela campina
Com o corpo doído
E a alma machucada
Pois nunca pensei que fosse tão difícil
Amar ou ser amada.


Lendo A Arte da Poesia, de Ezra Pound, encontro uma definição incrível de poesia: “A poesia é um centauro. A faculdade intelectiva e aclaradora que articula palavras deve movimentar-se e saltar juntamente com as faculdades energéticas, sensitivas e musicais.” Penso,

O poeta é um centauro:
A mente de homem
Aclara ideias,
Articula palavras
E as pernas de cavalo,
Cheias de energia,
Saltam no ímpeto da emoção.

O poeta é um centauro:
Alimenta-se de carne crua,
Bebe vinho,
Embriaga-se
E depois chora
Arrependido
Fazendo brotar fontes
Com a pancada de seus cascos

O poeta é um centauro:
Uma força bruta,
Que rapta,
Violenta,
Cega
E depois se põe a serviço
Do bom combate.


Dante Milano, poeta carioca, que sabe como expressar a dor da existência, escreveu um poema chamado “Fuga do Centauro”. O “centauro” surpreende a mulher, mistura de santa e prostituta, com um embate impiedoso, cheio de luta e prazer. Terminado o ato sexual, ela, carente, com lágrimas na face, implora que ele fique, que não a abandone, mas ele foge. Transcrevo trecho:

Fui beijá-la e dei dentadas.
Havia sangue em seu gosto.
Espanquei-a com carícias,
Massacrei-a de delícias.
Arrastei-lhe o corpo exposto,
Nua, o gesto descomposto,
E pus-lhe as patas no rosto.
Ela dava gargalhadas.


A Infância do Centauro é um livro de poemas emocionantes do jornalista José Inácio Vieira de Melo. Quantas surpresas. Quantos “ninhos de centauros”.Como o poeta é um centauro: galopa, galopa, galopa, transcendendo a ele mesmo e às suas explicações. O poeta galopa o território de sua infância, a sua principal metafísica. Caminha pelas ruas da Bahia, conduzindo seu filho Moisés, reconhecendo seu próprio pai na memória da íris de seu filho. E oferece a ele a sua herança de centauro.
Em outro ponto, o sensual centauro declara:

Vinde, minhas éguas, luzindo na imensidão!
No ritmo de vossas ancas é que se inaugura
A saga do meu império e os nomes do meu nome:
Cavaleiro de Fogo, Centauro Escarlate.

Poesia pura, feita de músculos, pegada, coração e melancolia de centauro. Centauros e poetas são mesmo temíveis aos mortais.


Artigo publicado no livro Caminhos de bicicleta (Miró Editorial, 2010), de Raquel Naveira, nas páginas 21 a 25.

Raquel Naveira é poeta, professora e Mestre em Comunicação e Letras. Dentre vários livros, escreveu
Abadia (1996) e Casa de Tecla (1999), ambos finalistas do Prêmio Jabuti de Poesia.

domingo, 14 de novembro de 2010

SANGUE NOVO - JANARA SOARES


A POESIA COMO FÉ
– JANARA Laíza de Almeida SOARES nasceu em Barreiras, em 1989. Morou por 19 anos no município de São Desidério. Cursa Letras Vernáculas no campus IX da Universidade do Estado da Bahia – UNEB, em Barreiras, onde reside.
Para Janara a poesia é uma profissão de fé e ela mantém essa chama bem acesa para compartilhar com aqueles que têm fome de encantos. Mantém o blog Minutos de Silêncio e Outras Fantasias (http://minutosefantasias.blogspot.com/). Vamos ler as palavras de Janara, musa do Oeste, que extrai sua poesia da essência das coisas.

JOSÉ INÁCIO VIEIRA DE MELO – Janara, o que é poesia? Para que serve a poesia? O que lhe leva a fazer poesia? Onde pretende chegar com sua poesia?

JANARA SOARES – Não sei o que é poesia e tenho uma preguiça enorme de tentar definí-la. Engraçado fazer algo que não conseguimos definir. Eu vejo a poesia como fé: você não sabe o que é Deus, mas acredita e ora e prega. Sei, no entanto, para quê ela serve. A poesia serve pra uma infinidade de coisas, ao contrário do que os estudiosos falam sobre a arte, pois tudo o que o ser humano faz serve para algo. Em primeiro lugar, a poesia serve para a intenção do poeta, podendo ser íntima (externar angústias, anseios, tristezas e felicidades) ou coletiva (poesia com cunho social, como força de transformação). É uma forma especial de comunicar aquilo que ninguém vê. Em segundo lugar, a poesia serve para o leitor. Todas as pessoas têm sentimentos intensos, mas nem todas conseguem falar ou escrever sobre eles; aí entra a poesia. Não sei o que me leva a fazer poesia e essa pergunta me inquieta, fazendo com que eu me sinta meio irresponsável... Normalmente os poetas têm uma idéia definida sobre seu “ser poeta”. Eu ainda estou construindo isso. Eu ainda me sinto muito surpresa quando alguém afirma que leu algo que escrevi, e mais surpresa ainda quando gostam. Agora me chega a possibilidade de ser lida, talvez reconhecida. É meu período de amadurecimento.

JIVM – Você lê muito? Qual o primeiro livro que leu? O que está lendo? Quais são seus escritores referenciais? Quais os seus poetas preferidos?

JS – Sempre li muito, exageradamente, quase compulsivamente. Não sei se isso foi bom ou ruim para mim, já que a leitura era algo solitário e eu nunca tinha com quem compartilhar minhas experiências. Demorou um pouco para que eu criasse um círculo social. Não lembro do primeiro livro que li, mas lembro do que tenho como mais antigo em minha memória. É um livro infantil chamado “O Diabo na Noite de Natal”. Não me recordo o autor, mas lembro que misturava o folclore brasileiro com personagens que conhecia do cinema (o Capitão Gancho, Superman, Carlitos). Acho que gostei mesmo do livro por causa da última frase: “E em algum lugar, um relógio batia meia-noite”. Hoje em dia minhas leituras são mais acadêmicas, o que me enche de raiva. Tenho medo de perder a habilidade e a alegria que eu tinha para leituras voltadas para o prazer. Na prosa, sempre li os clássicos brasileiros, principalmente o Machado de Assis, que me proporcionou muitas risadas na minha adolescência. Um dia descobri o Gabriel Garcia Marquez e me apaixonei totalmente. Os contemporâneos eu só encontrei na universidade. Quanto aos poetas, comecei a ler e fazer poesia por volta dos dez, onze anos. Amava Álvares de Azevedo, e ainda amo. Fiquei sabendo que existia um tal de Vinícius de Moraes quando encontrei um livro velho e surrado lá em casa, sem capa e sem nome. Lia sempre e adorava. Fui descobrir que era ele, anos depois, quando vi o Soneto de Separação em um livro didático. Conheci Baudelaire, Rimbaud, Oscar Wilde, e vários outros estrangeiros em quem eu me espelhei naquela época. Hoje tenho Ferreira Gullar como um dos meus preferidos.

JIVM – Para uma garota que escreve versos e mora no Oeste, a mais de mil quilômetros da capital, qual o papel que a internet desempenha? E na sua criação poética, como é que ela participa?

JS – A internet foi uma válvula de escape. Nunca tive vontade de mostrar meus poemas para pessoas conhecidas. Um dia, há alguns anos, fiz um blog e comecei a postar. Foi um alívio, como se eu estivesse tirando um peso das costas. O divertido é que sempre que via alguém escrevendo, sem querer mostrar, eu incentivava ao máximo para que espalhasse pelos quatro cantos sua obra. Hipócrita, não? Essa história de internet lavou minha consciência, pois eu podia publicar sem que pessoas conhecidas vissem meus poemas. Não foi bem isso o que aconteceu, mas tudo bem. Sendo um veículo rápido de informações, pude entrar em contato com novos poetas e perceber novas estéticas, o que renovou totalmente a minha forma de criar. Deus, eu tenho sonetos metrificados! Ainda não sei como eu conseguia fazer isso. Antes eu trabalhava mais; hoje é mais rápido, mais intuitivo. E antes eu não trabalhava, tendo, portanto, tempo para ficar horas num único poema.

JIVM – O fato de ser estudante do curso de Letras tem proporcionado a você um conhecimento mais profundo da literatura brasileira, sobretudo da contemporânea, ou esses assuntos são vistos apenas de passagem? Quais benefícios o curso de letras trouxe para a poeta Janara Soares?

JS – Eu caí no curso de Letras por acaso. Sempre quis fazer História e jamais tinha pensado em estudar Literatura. Para mim, Literatura era pra ser lida, e só. Entrei porque na época em que fiz o vestibular não havia curso de História e descobri que em Letras ensinavam Latim, que eu já estudava sozinha. Meu curso, na verdade, é mais rico nas disciplinas de Lingüística e de Educação. A Literatura não é estudada tão intensamente como eu esperava quando entrei no curso, mas quando acontece, é bastante gratificante. Conheci poetas que nunca teria conhecido se não estivesse na academia e, além disso, descobri as relações entre Linuguística e Literatura, o que me rendeu leituras imensamente ricas. As disciplinas relacionadas à Crítica Literária tiraram minha inocência na leitura de poemas e da Literatura em geral. Hoje tenho mais capacidade de inferir no texto, de ter uma posição quanto aquilo que eu leio. Não sei se isso é muito bom. Tenho agora mais bagagem para discernir as coisas, mas antes era mais mágico, era mais poesia.

JIVM – O que você anda fazendo? Já tem planos para publicação do primeiro livro? E o que mais?

JS – Estou terminando meu curso e planejando minha monografia. Quero fazer um trabalho sobre a relação do espaço, do território e da paisagem na criação literária, especificamente aqui, no Oeste Baiano. Quando sair daqui, pretendo fazer o mestrado imediatamente. Não quero ficar parada. Quanto à publicação de um livro, eu nunca pensei nisso, mas idéias estão começando a aparecer. Na verdade, minha primeira idéia de publicação seria uma antologia com os poetas levantados na minha monografia, com o intuito de promover a Literatura de nossa terra. Livro meu, mesmo, só estou começando a pensar agora.

TRÊS POEMAS DE JANARA SOARES

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SONHO


Sonhava que a luz não existia
e as cores eram cores por si só.
Podia tocá-las! E elas, densas,
Se desfaziam como algodão doce
lentamente lambido,
lentamente salivado.

Nesse sonho o azul royal
– antes tão aristocrata –
era liberto para amar
todos os vermelhos dos cardeais.

E a Inquisição não se importava.
Os seios não eram rosas, os seios;
eram girassóis dourados.
Cansados da delicadeza do veludo,
percorreram outros campos.
Mais ainda floridos, os seios.

Os sons tomaram formas
e meus olhos se alegraram:
como o Gato, o Dó maior me sorria.
Era vermelho intenso o Si menor
e voava feito águia.

E quando Morpheus resolveu me deixar
espantado pela chegada de Aurora
restou um cobertor no chão
e um rosto no espelho que eu quase desconhecia.
Voltei para a cama. A vida podia esperar.



MIGUEL


Ele chega trajando uma camisa parda
Caminhando com a paciência dos séculos
Cabelo caído numa face sem cor
Escondendo em seu olho os fins dos milênios.

Sem armadura, espada ou cota de malha
Sentou ao meu lado, forçando um sorriso.
Pediu uma cerveja, meio descontente.
No sereno da mesa desenhou um círculo.

– Cansei de Guerras, – me disse o arcanjo,
– muito trabalho, o pagamento é pouco.
Já vi de tudo. Só falta ser humano.

– E a glória? – Depende do ângulo.
Sorriu de novo, pediu outra cadeira...
Encheu mais um copo. Jorge vem chegando.



O GRANDE RIO


Minha porta está fechada.

Enquanto isso corre o boato
dos corpos sem coração.

Foram encontrados ontem
– às margens do grande rio –
molhados por tanto pranto
que as mulheres carpideiras
não se puseram a chorar.
Em cada peito um buraco
– como quando se planta uma árvore –
cada um, ali, perdido,
pedindo alguma semente.
Os joelhos estavam inchados,
das mãos corriam sangue e cera,
os pés calejados dormiam
o sono de toda uma vida.

Dizem nos botecos, à meia luz,
que há muito os corações já não existiam.
As pobres vítimas não eram tão pobres
se a morte sabe o que faz.

Dizem, como sempre, dizem
que os corações evaporaram,
não havia mais lugar ali
para um coração existir.

Dizem, como sempre acontece
quando aparece alguma notícia,
dizem que cada corpo trazia em si
um pouquinho do nada do inferno.
Que qualquer pedaço de vazio
é como uma maçã podre no cesto.

Minha porta está fechada.
Não quero ser encontrada
às margens do grande rio.

segunda-feira, 8 de novembro de 2010

ROSEIRAL DE JIVM NA FLIPORTO



Serviço
Evento: - lançamento de Roseiral
livro de poemas de José Inácio Vieira de Melo
Data: 12 de novembro de 2010
Horário:16 horas
Local: Tenda de autógrafos de Fliporto
Praça do Carmo - Olinda - PE
Entrada franca
Classificação etária: livre
Informações: (81) 3269-6134

segunda-feira, 1 de novembro de 2010

SANGUE NOVO - GILDEONE DOS SANTOS OLIVEIRA



VIAGENS POR MUNDOS INFINITOS – Para GILDEONE DOS SANTOS OLIVEIRA, poeta nascido em 1986, no município de Retirolândia, na região sisaleira da Bahia, “a escrita não pode ser colocada dentro de uma camisa de força”. O escritor deve ter liberdade para expressar sua escritura e ser reconhecido por seu talento, não por predileções temáticas, como é comum na literatura brasileira contemporânea. Gildeone viveu toda a infância e parte da adolescência no campo. Atualmente mora num povoado a cinco quilômetros da sede do município. É professor de Língua Portuguesa e Literatura Brasileira no Ensino Médio do Centro de Educação Santo Antônio (CESA). Fez graduação em Letras Vernáculas no Campus XIV da UNEB, em Conceição do Coité, e faz Mestrado em Literatura e Diversidade Cultural na UEFS, onde estuda a representação do sertão e do sertanejo na obra O Romance d'A Pedra do Reino, de Ariano Suassuna. Mantém o blog Curtindo Linguagens (www.gilsantoslinguagens.blogspot.com). Agora, vamos conhecer um pouco mais sobre este poeta que busca a poesia da vida em cada esquina e que entende que a Literatura proporciona viagens por mundos infinitos e traz grandiosas descobertas.

JOSÉ INÁCIO VIEIRA DE MELO
– O que é ser poeta? Por que ser poeta? Você também acha que “o poeta é um fingidor”?

GILDEONE DOS SANTOS OLIVEIRA – Muitas vezes me pergunto o que é ser poeta, outras vezes não sei se devo ser chamado poeta, são questionamentos comuns para todos que escrevem poesia, ou pelo menos que são iniciantes nessa prática. Mas, acho que ser poeta é buscar os versos da vida em cada esquina, é ser o leitor das coisas simples, é ser uma criança prodígio, tecendo e retecendo mundos que nos conduzem a olhares mais aguçados em relação à vida quotidiana. Pela poesia a vida quotidiana se torna mais (in)completa, aí cabe afirmar que, como Pessoa já proclamara, “o poeta é um fingidor”, finge a dor sentida, reinventa a própria dor e desmascara as dores não sentidas. Para mim a poesia veio como uma forma de reencontro, de busca de mim mesmo, de busca pelo humano que existe em mim. Aos poucos o gosto pela leitura e pela escrita me tomou, aí percebi que, pela escrita, posso ser um cavaleiro andante que cavalga moinhos de vento em busca de outros horizontes. Parodiando um verso de Alberto Caeiro, com a poesia percebi que da minha aldeia vejo o que se pode ver no universo.

JIVM – O fato de você ser do sertão confere algum crédito para a sua poesia? Ou, ao contrário, cria um certo ranço regionalista que tenta reduzir os escritores que vivem no nordeste a estereótipos cristalizados?

GSO – Bom, não tenho ainda uma publicação, o que torna difícil as pessoas fazerem um julgamento mais concreto da minha poesia. Mas, quem escreve do espaço onde estou inserido sofre sim com o ranço regionalista que reduz os escritores a estereótipos. Às vezes, mais do que a redução a estereótipos há a discriminação contra as pessoas que habitam nas pequenas cidades e povoados do sertão, como é o meu caso. Mas, aos poucos esses tabus vêm sendo quebrados. Uma poesia não deve ganhar ou perder crédito pelo lugar de onde o poeta escreve, essas fronteiras não faz mais sentido no contexto do século XXI. Aqueles que preservam esses ranços ainda vivem no período jurássico. Hoje, o que vale é o texto, a poesia deve ser julgada pelo que ela pode dizer ou não para quem se debruça sobre ela. A escrita não pode ser colocada dentro de uma camisa de força.

JIVM – Você é estudioso da obra de Ariano Suassuna, o que nos leva a uma dedução do seu cânone pessoal. Imagino que escritores como João Guimarães Rosa, Graciliano Ramos e João Cabral de Melo Neto devem figurar entre as suas principais referências. A minha inferência está correta? E quais outros prosadores e poetas contemporâneos você lê? Já ouviu falar do escritor Ronaldo Correia de Brito? Conhece a obra do poeta Alberto da Cunha Melo?

GSO – Correto, Ariano Suassuna, Guimarães Rosa, Graciliano Ramos e João Cabral de Melo Neto, fazem parte do meu cânone pessoal, somando-se a tantos outros. Escrevo poesia, mas a prosa toma muito mais tempo nas minhas leituras. Dos escritores contemporâneos, além de Suassuna tenho buscado ler Francisco J. C. Dantas o próprio Ronaldo Correia de Brito e Antônio Carlos Viana, nomes que trazem para literatura o sertão, o que me atrai muito enquanto estudioso do sertão e enquanto leitor apaixonado por esse espaço que é o mundo ser-tão. Na poesia estou lendo muito os versos de Ruy Espinheira Filho, Myriam Fraga, Antônio Carlos Secchin (sempre leio Drummond e outros também), e tenho entrado em contato com a poesia de José Inácio Vieira de Melo, recentemente acabei a leitura de Roseiral, gostei do que li. Quanto ao poeta Alberto da Cunha Melo só conheci sua obra esse ano quando entrei no Mestrado, tenho uma colega que estuda a poesia dele, a partir de então tenho buscado conhecer a poesia de Cunha Melo. Uma poesia forte, marcada pela mística da pedra sertaneja, dentre outros aspectos.

JIVM – Você mantém o blog Curtindo linguagens. Qual o papel que as mídias virtuais exercem na literatura contemporânea? O que acha dessa profusão de blogs? E voltando para o seu blog, mais especificamente, um trocadilho com o título: Qual a linguagem que você mais curte? E dentro da sua preferência, com quais outras linguagens mantém um diálogo profícuo?

GSO – As mídias contemporâneas são muito positivas, têm oferecido o espaço para muitas pessoas se expressarem e transmitirem suas produções. Ao mesmo tempo em que o espaço fica mais aberto muitas coisas sem substância acabam circulando também. A multiplicação dos blogs no geral é positiva, mas, é sempre bom lembrar, na internet encontramos coisas boas e coisas ruins, cabe ao leitor fazer a sua seleção de acordo com o que mais gosta. Para a literatura as mídias fazem um papel importante de levar a muitos jovens, a muitas pessoas, o acesso a textos que nunca chegaram através da escola. É um tanto irônico, mas moro numa localidade da zona rural de uma cidade que tem mais de 40 anos de emancipação política, mas ainda tenta abrir uma biblioteca pública que seja acessível a todos, a internet chegou primeiro do que a biblioteca. Sempre tive muitas dificuldades para ter acesso ao livro, mas com a ajuda de professores consegui despertar o gosto pela leitura e pela escrita. Foi com o acesso à internet e percebendo o potencial dela que veio a ideia do blog para divulgar meus textos, devo admitir que, às vezes, tenho até receio de publicar textos no blog.
Além da literatura, a música, a pintura, as artes plásticas como um todo me atraem muito. Apesar de o acesso a essas linguagens ficar dificultado pela pouca atenção que elas ganham aqui no sertão da região sisaleira. Mas, ainda tenho muitos sonhos de poder me expressar através dessas outras linguagens, como a música, por exemplo.

JIVM – E agora? O que pretende fazer? Sair pelos quatro cantos, berrando a sua louca verdade de poeta? Quando sai o primeiro livro? E esse mestrado?

GSO – Bom, agora estou seguindo meu caminho de cavaleiro andante que monta em seu Rocim, cansado da lida no sisal, mas revigorado pelas descobertas, e prossegue pelas veredas ásperas do sertão pedregoso, seguindo os passos apontados pela poesiamundo. Espero poder berrar um pouco a minha poesia, não sei se ela terá serventia para alguém, tomara que pelo menos incomode algum vizinho que me acha um louco devorador de livros. Estou firme no mestrado, amadurecendo como estudioso e como degustador da literatura e dos sertões. Além de buscar condições necessárias para encarar o mercado de trabalho (a poesia no Brasil não alimenta ninguém né!?). Quanto ao livro, tenho um projeto para publicar em 2011, com certeza dará tudo certo.

TRÊS POEMAS DE GILDEONE DOS SANTOS OLIVEIRA


Ilustração: Juraci Dórea



















GUERNICA DE CANUDOS

“Mas eram terríveis lances, obscuros para todo sempre. Raro tornavam os que os faziam. Aprumavam-se sobre o fosso e sopeava-lhes o arrojo o horror de um quadro onde a realidade tangível de uma trincheira de mortos, argamassada de sangue e esvurmando pus, vencia todos os exageros da idealização mais ousada. E salteava-os a atonia do assombro...”
Euclides da Cunha, Os sertões.


Em ruflar de tambores
epopéicos,
versos disparam-se
de bambus encanados,
encenados
coitados.

Canudos-de-pito,
fumados em meio a ventos
de secas tardes
em sol esturricante,
assaltante.

Canudos-de-pito
em dispersão vertical
sorvem da terra
seu líquido
maternal.

A terra
faz-se homem
no seio de capuabas
acuadas do sertão.

Estilhaços de raios
solares e luminosos
queimam
constitucionalmente
a raça da favela.

Tambores ruflam pela charmosa estação
por Virgulino assaltada.

Pelos trilhos progressistas
maquinalmente exercitados,
constitucionais patriotas
pintam, furiosamente,
o sabor da fúria
de Macambira.

Em explosões de corpos
Homo humanus.
Animais.
A Matadeira
persiste
no furor mirabolante.


Do alto, o Belo Monte.
A fotografia
de pastos
secos
em cinza de sangue.
No mato,
resta a história,
loucura e glória
do titã cambaleante.

Na segunda margem,
Cocorobó
em choro flamejante,
entre rostos e restos
da derrotada história,
o açude apadrinhado
espera sua glória.

Entre conselhos,
Conselheiros,
o sertão margeia,
o mar
numa terceira sinfonia,
clama pela pedra
enterrada
na Guernica da Bahia.



MEU PLANETA


O meu planeta
é menor que um alfinete,
tem oceanos vastos,
e o continente é habitado
por belas sereias
que se banham
dentro da minha
flor vermelha.

É por isso que minhas estrelas
tocam sonatas de dor,
e a lua chora
toda noite, gozando de amor.



REVERSOS


O Sol despeja seus tentáculos
raiando sobre a terra esbraseada.
Riscos enxadescos pairam na poeira,
sobre a face do redemundo.

Destoco as fibras
nos versos encourados
que cavalgam o jumento
em reversos de Sol.

Pela caatinga branca,
asas revoam os pontos pretos
encharcados de bagaços.
No brinde das andanças,
cachaças florescem
as pegadas do curral.

Sob o cacto em espinhos,
tentáculos solares,
percorrem os pares
pelo mundo da pedra-flor.
Meus versos decantam o caminho
pisado em reversos de Sol.